e a Moda como obra de arte total.
Esse é o título de um almoço cultural em que palestrei no StudioClio no ano passado. Foi uma das atividades que mais gostei de fazer por lá.
Parti do livro Klimt e a Moda, da coleção Universos da Moda, da Cosac Naify, que a minha amiga Re Fratton me emprestou.
Cheguei à Viena da Belle Époque e à obra magnífica de Karl Schorske: Viena Fin de Siècle, um livro imprescindível e que infelizmente está esgotadíssimo!
Além de Klimt e de Emilie Flöge - sua namorada, amante, musa, dona da boutique Flöge Soeurs, que trazia de Paris as últimas novidades em roupas e acessórios -, encontrei um universo paralelo; afinal Viena, na virada do século XIX para o XX era uma espécie de Paris germânica com toda as suas belezas, particularidades e a imponência de uma cidade ainda em construção que era sede de um dos grandes impérios da época. Além de Sissy, Viena continuou na sua jornada de cidade cosmopolita, cheia de cafés, de ópera, museus e um grande incentivo às artes.
Nesse universo paralelo conviviam a Secessão Vienense, grupo de artistas gráficos, arquitetos, escultores da art nouveau de lá, do qual Klimt fazia parte e era mentor.
Além da Secessão, nesse panorama infinito que fui descobrindo para falar de Klimt e das roupas que ele e Emilie confeccionaram e retrataram, encontrei no meu caminho "apenas" com a filosofia de Wittgenstein, contemporâneo deles, para quem a linguagem está no cerne da formação do pensamento humano; encontrei com Musil, que escreveu um romance gigantesco, difícil e que dá a tônica da época: O Homem sem qualidades.
Mas indo mais além ainda, encontrei um livro maravilhoso, de Celia Bertin; As mulheres em Viena no tempo de Freud. Uma mulher fantástica entra em cena: Lou Salomé, a primeira psicanalista, amiga/discípula de Freud. Uau!
Resultado rápido e rasteiro: Emilie, que está lá, entre as mulheres que Celia encontrou nos tempos de Freud, é uma das que justamente não precisaram de Freud. Não era uma de suas histéricas. Por quê?
Porque além de, logicamente, ser bem nascida, teve liberdade suficiente para trabalhar e criar. Teve sua loja, criou modelos antes inspirados em Poiret e depois em Chanel, mas principalmente viveu a vida plenamente entre um grupo de pessoas criativas e livres.
É claro que Klimt tem um grande papel nisso: ele dividiu com Emilie boa parte de sua veia criativa e aí ele e a musa criaram uma série de vestidos longos e soltos que em nada se assemelhavam ao padrão mulher-ampulheta de época. (Essa criação conjunta foi toda documentada por Klimt e por isso ele pode ser considerado um precursor da fotografia de moda, ainda incipiente. Se buscarmos as revistas Vogue dos anos 1920 ainda veremos ilustrações e não fotos, as fotos feitas por Klimt são da primeira década do século.)
Livres do espartilho, Emilie e as mulheres retratadas por Klimt se transformaram naquelas que não precisaram de Freud.
A moda, então, foi para Klimt a obra total: quando pintava, Klimt criava modelos, estampava, vestia de ouro e cores as mulheres que amava e que possibilitaram que ele continuasse sendo o grande artista que era, principalmente depois do encândalo causado por seus murais em prédios públicos - a faculdade de medicina, principalmente - em que retratava todas as etapas da vida, com suas vicissitudes e corpos em constante transformação.
Esse sim foi um homem que amou as mulheres.